quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Há uns meses atrás... [1]

“Foi uma noite em que você quase pediu, me deixe. Ora, pra que me enganar: você realmente pediu, sem pronunciar palavra, você vinha pedindo, me deixe, olhe o jeito que te trato,(...)me vi desistindo de nós dois em menos de dez minutos, a decisão mais rápida da minha vida. (...) Você lembra como eu chorei aquela noite, lembra do fim, você não pode ter esquecido aquela cena, (...) você olhando , como se a culpa fosse minha e não sua. (...) Faz quanto tempo desde aquela cena? Eu consigo enxergá-la por vários ângulos, (...)e não chorei, eu fui para o banheiro escovar os dentes, acho que escovei os dentes, não lembro, e botei uma camisola e fui pra cama e não chorei, não pensei, não senti, não chorei, entendi, não entendi, não pensei, não sei, acho que dormi. Você não ligaria no dia seguinte, era domingo. (...)Telefono pra minha mãe, não telefono pra você, conto pra ela que acabamos, meu relato é muito coerente, ela lamenta (...)E voltei a dizer: não, mãe, acabou de verdade, e pela primeira vez reparei em minha voz tremida, pela primeira vez naquele domingo eu fraquejei, as palavras saíram entrecortadas, eu catava as sílabas que me fugiam, e ela do outro lado da linha fingia que não doía nela também.(...) Agora acabou, agora é comigo, sei que vou conseguir, tenho meus motivos, e me dei várias explicações, tentei me convencer, eu estava tão racional, tão genial, (...)zanzei pela casa, tomei um banho e desabei pela segunda vez, a primeira sem que você testemunhasse. Não sei se as pessoas choram de forma diferente umas das outras, eu choro contraída, como se alguém estivesse perfurando minha alma com uma lâmina enferrujada, choro como quem implora, pare, não posso mais suportar,eu chorei no domingo, na segunda, na terça, em várias partes do dia e da noite, um choro de quem pede clemência, de quem está sendo confrontado com a morte, eu estava abandonando uma vida que não teria mais. (...) Choro, choro muito, choro agora feito uma guitarra dedilhada por um bêbado, sinto uma piedade inconsolável de mim, de tanto que recordo o quanto te quis e o quanto te admirei por amares a mim, era paixão inveterada, paixão de doer, paixão de não dar certo mesmo, paixão de perder o tino, e perdi por completo, hoje tento compreender duas ou três frases e nem isso me cabe, ficou tudo sem lógica, eu que prezo tanto a lógica, não entendo mais nada, (...)mas vou sair dessa, veja, já estou enxugando as lágrimas, procurando meu celular para fazer uma ligação qualquer.”

Martha Medeiros

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